15 janeiro 2013

Como mudar rumo de negócio

Empresários que reverteram prejuízos mostram como mudar rumo de negócio

Eduardo Medeiros e Felipe Krueger, da Eu Decido, focaram em um só produto: carros zero
O primeiro projeto do grupo que criou o Twitter era um serviço de armazenamento de podcasts, enquanto a rede de compartilhamento de fotos Instagram surgiu de um aplicativo similar ao Foursquare, que permite que usuários de smartphone informem aos amigos onde estão.

Esses são casos clássicos de negócios que passaram por um processo de "pivô", que é mudar, muitas vezes drasticamente, a estratégia da empresa, mas mantendo o máximo do aprendizado, da estrutura e da base de consumidores já conquistados.

O termo entrou em moda entre os empreendedores, principalmente os do mundo digital, que podem fazer alterações mais rápidas em seus produtos, já que não precisam lidar com questões como estrutura física -caso de uma cafeteria que tenta virar um restaurante, por exemplo. "A maior parte dos casos de pivô não envolve destruir todo o trabalho, mas sim mudar algum elemento do negócio para que ele cresça mais rapidamente ou para que seja lucrativo", diz Frederico Lacerda, fundador da aceleradora de negócios 21212.

Ele afirma, entretanto, que não se trata apenas de "mudar de ideia". "Pivotar envolve observar atentamente o mercado, analisar as métricas do seu produto, conversar com os clientes e verificar se existem outros caminhos mais relevantes." Para Adalberto Brandão, do centro de estudos sobre "private equity" (compra de participação de empresas) da Fundação Getulio Vargas, o principal sintoma de que um negócio iniciante precisa passar por um pivô é a dificuldade de ganhar dinheiro com ele, mesmo que seja bem-sucedido do ponto de vista do número de usuários.

Ou seja, o produto ou serviço pode ser bom, mas as pessoas não estão dispostas a pagar por ele.
Essa foi a dificuldade encontrada por Marcelo Brigido, 46. Em 2009, ele lançou o serviço Minha Casa via Web, em que usuários tinham de pagar para usar um simulador que indicava quanto iriam gastar na reforma da casa, entre material de construção e mão de obra.
"Quando colocamos o simulador no ar, recebíamos elogios sobre a ferramenta, mas não tínhamos vendas em quantidades bacanas."

A empresa, então, começou a testar outras possibilidades de negócio: nas palavras de Brigido, a equipe "colocou peroba na cara" e foi conversar com fabricantes, varejistas e agentes financeiros. Descobriu que esses clientes estavam dispostos a pagar por informações sobre os usuários do serviço para usar em campanhas de marketing e entender melhor as tendências de consumo dos moradores de cada região. O serviço mudou de nome, para Portal Arquitecasa, e se tornou gratuito para os internautas. "O nosso produto não era o simulador, mas sim a informação gerada por ele", destaca o empresário, que hoje tem 30 clientes, como redes de varejo, que pagam por esse tipo de relatório.

QUEM COMPRA?
Identificar corretamente qual é o público-alvo da empresa pode determinar seu sucesso ou fracasso, e isso nem sempre é simples para uma companhia iniciante com um produto inovador.
Marcelo Nakagawa, coordenador do Centro de Empreendedorismo do Insper, diz que é indicado fazer testes e conversar diretamente com potenciais clientes para confirmar se eles estariam dispostos a pagar pelo serviço.
"Muitas vezes, o cliente não vê aquilo como uma solução, como algo que o faça tirar dinheiro do bolso."

A Forebrain, uma empresa criada em 2010 que faz análises cerebrais e comportamentais dos consumidores para melhorar a experiência de compra, teve dificuldades para descobrir quem eram seus clientes. No começo, o plano era vender as pesquisas para as agências de publicidade, mas elas não se mostraram empolgadas.

Os sócios, então, resolveram focar os próprios fabricantes dos produtos.
"O que a gente viu é que as agências não estavam tão interessadas no nosso produto, que envolve tecnologia pesada. Partimos para o anunciante e a coisa começou a andar melhor", afirma Billy Nascimento, 30, presidente-executivo da Forebrain.
"Saia do prédio, vá para a rua para entender como é o mercado e como você pode se adaptar a ele. Não há como entender isso sem contato com as pessoas", aconselha.

VOLTAR ATRÁS
Essa interação também é essencial para fazer adaptações no produto para que ele atenda às necessidades dos consumidores, e não à vontade dos donos da empresa.
Essa foi a lição aprendida pelos fundadores da ZeroPaper, que produz um software de gerenciamento para pequenas empresas.

Vindos de empresas do setor financeiro, eles tinham o projeto de um programa requintado. Mas, ao conversar com potenciais clientes, descobriram que eles queriam algo mais simples.
"Queríamos fazer um sistema complexo e parrudo e, se tivéssemos feito, poderíamos ter quebrado, desenvolvendo algo tão grande sem ganhar nada", afirma André Macedo, 33, presidente-executivo da empresa.

Para modelar o serviço, eles fizeram tanto pesquisas qualitativas, conversando com dezenas de pequenos empresários, quanto quantitativas: colocaram na internet páginas com diferentes descrições sobre o que seria o produto, com versões menos ou mais complexas, e pediam que os interessados se cadastrassem. Campanhas de marketing no Google e no Facebook atraiam os internautas para esses sites.

"Fizemos isso logo no início, quando tínhamos alguns rascunhos prontos e apenas algumas coisas desenvolvidas de fato, então perdemos no máximo algumas semanas", conta Macedo.
Esse tipo de análise é importante. Yuri Gitahy, investidor-anjo e fundador da Aceleradora, diz que, antes de fazer um pivô, o empresário deve estabelecer hipóteses claras de direções a serem seguidas, e testá-las.

"Sempre que você quer testar uma nova direção, implemente um produto levemente diferente e compare as métricas atuais com o ciclo anterior. Se forem piores, seu pivô foi ruim. Se forem melhores, ou seja, se converteu mais clientes, você tem boas chances", orienta.
De acordo com especialistas, empresas de setores mais tradicionais, de fora da internet, também podem passar por esse tipo de processo, mas em geral vão gastar mais para isso. É preciso dar atenção ao planejamento prévio, para não ter de mudar muito a estrutura enquanto o negócio já está funcionando.

"Na prática, uma padaria que decide começar a servir almoço está 'pivotando'. Mas seria melhor que ela tivesse previsto isso, para não ter de ficar quebrando paredes para dar espaço para mesas", diz o professor do Insper.

Entretanto, mesmo que essa mudança seja feita com base em dados bem apurados, ela nem sempre é simples. "'Pivotar' é como pular de paraquedas: a gente sabe que o dobrou direitinho, mas tem sempre a possibilidade de ele não abrir naquele dia", brinca Eduardo Medeiros, 27, presidente-executivo da Eu Decido, um serviço virtual que une interessados em comprar um mesmo produto para barganhar com o vendedor.

No caso da empresa dele, essa restruturação envolveu a demissão de metade dos funcionários e o enxugamento nas linhas de produto oferecidas, que passou de oito para apenas uma: carros zero quilômetro. "Percebemos que o usuário ficava perdido, porque tinha de tudo no site. A pessoa não entendia direito como funcionava o serviço", diz Medeiros.

Também havia uma busca por produtos que fossem mais lucrativos. "Para vender um liquidificador, eu ganhava centavos. Para vender um carro, são R$ 50." Não são apenas os sintomas das vendas que podem motivar um pivô. "Razões internas" do empresário também são uma causa comum, destaca Nakagawa, do Insper. "Muitas vezes, o empreendedor não está satisfeito com o negócio. Ele gosta do produto, mas não se sente motivado a vender aquilo para o cliente."

Robert Pinto, 34, e Hugo Barros, 32, montaram uma empresa de testes de softwares em 2005, mas não estavam satisfeitos. "Esse tipo de prestação de serviços tem ciclos: em uma hora você está bem, com vários clientes, e em outra está muito ruim. É uma montanha russa", afirma Barros.

Eles, então, testaram novos meios de continuar oferecendo o mesmo serviço, mas com outro modelo.
Tiveram, então, a ideia de usar o sistema de "crowdsourcing" (uso de conhecimentos coletivos para criar soluções), o que deu origem à Crowdtest. Em vez de contratar profissionais fixos, a empresa permite que qualquer pessoa cadastrada teste um programa e a remunera por falhas encontradas -um problema grave encontrado pode gerar R$ 20, além de prêmios. Com isso, a margem de lucro dos projetos da empresa passou da faixa de 10% a 15% para 50%.

Entretanto, antes de fazer esse tipo de mudança de rota, é preciso analisar se o problema é mesmo com modelo de negócio da companhia, diz Fernando Campos, cofundador da aceleradora Lab22.
"De repente, o problema é a empresa não ter contratado as melhores pessoas ou não ter chegado ao cliente da melhor maneira. O primeiro passo é fazer uma avaliação honesta e verificar se o problema é com você, com a equipe ou com o produto", afirma.
Fonte: Fenacon /Folha de S.Paulo

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