Os benefícios fiscais concedidos pelos governos a fim de atrair empresas são um mecanismo bastante comum. Quando se fala em guerra fiscal logo se pensa em estados, mas existe também entre os municípios. Motivadas pela necessidade de aumento de receita, as prefeituras também realizam essas manobras tributárias com relação ao Imposto sobre Serviço de Qualquer Natureza (ISSQN). Para atrair empresas de serviços que recolhem ISSQN, as administrações fazendárias municipais reduzem as alíquotas do imposto, promovendo verdadeiras disputas fiscais. Mas, nesse esforço de arrecadação, muitos contribuintes acabam pagando o imposto em duplicidade. É o caso de instituições que possuem sede em uma cidade e prestam serviços em outra: além de pagar o imposto no local sediado, têm o tributo recolhido na fonte, gerando tributação dupla.
A lei geral determina que o prestador de serviços deve pagar o imposto na cidade em que está sediado e não no local da prestação do serviço, conforme o PLC 116 de 2003. Segundo o texto do artigo 3º, “o serviço considera-se prestado e o imposto devido no local do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local do domicílio do prestador, exceto nas hipóteses previstas nos incisos I a XXII, quando o imposto será devido no local”. Neste caso, estão incluídos os serviços como a instalação de andaimes, palcos, coberturas e outras estruturas, edificações em geral, estradas, pontes, portos e congêneres, execução de varrição, coleta, remoção, incineração, tratamento, reciclagem, jardinagem, entre outros. “Esta lei nacional, por regra, é a que todos os municípios deveriam seguir”, afirma o advogado tributarista Rafael Nichele, da Cabanellos Schuh Advogados Associados.
Nichele acredita que uma das soluções seria restringir a adoção da substituição tributária pelos municípios, pois a lei permitiu estabelecer este regime quando determinadas atividades fizessem a retenção do tributo no momento da apresentação da nota fiscal pelo prestador. Segundo ele, os municípios acabaram extrapolando esta hipótese.
O presidente da Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs) e prefeito de São Borja, Mariovane Weis, diz que não existe cobrança em duplicidade, pois a interpretação dos municípios, baseada na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é de que o fato gerador é o local da prestação do serviço e não na cidade em que a empresa está sediada. “Seria uma incoerência não pagar no município onde o trabalho foi realizado”, rebate o presidente. “Como outro município pode ganhar por um serviço prestado em outra cidade?”, questiona.
Cadastro livra da obrigatoriedade do recolhimento
O assessor de Planejamento e Projetos Tributários da Secretaria Municipal da Fazenda de Porto Alegre (SMF) Flávio Cardozo de Abreu explica que as pessoas jurídicas que prestam serviços na Capital e emitem documentos fiscais autorizados por outro município estão obrigadas a proceder a solicitação de inscrição no Cadastro de Prestadores de Serviços de Outros Municípios (CPOM) da Secretaria Municipal da Fazenda. Esse procedimento é necessário quando a empresa presta alguns dos serviços obrigados a pagar o tributo, conforme determina a lei.
Para realizar a inscrição em Porto Alegre, a empresa deve acessar o endereço eletrônicohttp://www.portoalegre.rs.gov.br/smf e preencher a declaração. O representante legal precisa conferir os dados informados, transmitir as informações pela internet ou, se preferir, remeter via postal ou entregar pessoalmente no endereço da prefeitura, na travessa Mário Cinco Paus, s/nº, Centro de Porto Alegre. Para qualquer dúvida, os interessados poderão utilizar o e-mail cpom@smf.prefpoa.com.br.
De acordo com o advogado Rafael Nichele, com tanta burocracia, muitas empresas menores acabam pagando o imposto em mais de uma cidade. “A falta de conhecimento sobre o cadastro e a legislação está levando muitos contribuintes a pagar mais do que deveriam”, afirma.
Prefeituras seguem decisão do STJ
Muitas empresas acabam resolvendo o impasse sobre o local da cobrança do ISSQN na Justiça, prejudicando até mesmo a relação comercial entre o cliente e o prestador de serviço. “Mesmo a tomadora não sendo a ré, ela vai preferir contratar uma empresa que esteja sediada no local para realizar o serviço”, observa o advogado Rafael Nichele.
As divergências entre o que diz a lei geral (PLC 116/03) e as determinações do Superior Tribunal de Justiça (STJ) criam certa confusão na cobrança do ISSQN até mesmo para a fiscalização. O entendimento quase unânime do STJ é de que o imposto deve ser retido no local onde é realizado o serviço, independentemente do endereço da sede do prestador ou do tomador. Duas determinações antagônicas que geram trabalho dobrado.
Na prefeitura de Porto Alegre, por exemplo, os fiscais são obrigados a realizar o lançamento do tributo conforme a lei geral, mas quando chega à área administrativa, vale a regra ditada pelo STJ. “Isso gera insegurança tanto para a fiscalização quanto para o contribuinte”, declara o assessor de Planejamento e Projetos Tributários da Secretaria Municipal da Fazenda de Porto Alegre (SMF), Flávio Cardozo de Abreu.
As diferenças de alíquotas entre um município e outro também são uma das reclamações dos empresários. O advogado explica que, no caso de filiais, cada uma deve pagar o imposto em seu município, mesmo que a alíquota seja diferente do local em que está sediada a matriz. Também costumam pagar alíquotas diferentes aquelas empresas com o mesmo nome fantasia, mas com CNPJ diferentes, e que atuam em diversas cidades.
As alíquotas só não são variáveis quando os serviços possuem seus próprios regramentos, como no caso das profissões regulamentadas.
Na Capital, as alíquotas de ISSQN variam de 2% a 5%, dependendo do serviço prestado. Abreu explica que o imposto tem competência municipal e a Constituição Federal assegura autonomia para os municípios instituírem os impostos como o IPTU, ITBI e ISSQN. De acordo com ele, no caso de dois municípios cobrarem o ISSQN pelo mesmo fato gerador, o contribuinte, se já tiver arcado com a obrigação tributária, deve solicitar a devolução do débito para o município onde está sediado, quando o serviço tiver sido prestado fora da sede da empresa.
Operadoras de cartão de crédito na mira dos municípios
Há uma discussão judicial por parte dos municípios gaúchos para rever os valores do ISSQN referente aos serviços prestados pelas operadoras de cartões de créditos. De acordo com o presidente da Famurs e prefeito de São Borja, Mariovane Weis, se existe guerra fiscal, ela é motivada pelos municípios de Osasco e Barueri, ambos do estado de São Paulo.
A briga foi instalada no momento em que as cidades paulistas passaram a cobrar a alíquota de 0,2% de ISSQN das empresas financeiras, destoando do restante do País. Segundo o presidente, o ISSQN para essas operações varia de 4% a 5% em qualquer outra prefeitura. Com o percentual cobrado em São Paulo, os dois municípios conseguiram atrair todas as operadoras de cartões de crédito existentes no Brasil para instalarem suas sedes na região. De acordo com Weis, no Rio Grande do Sul, nenhum município cobra menos de 4% para esta prestação de serviço. “As operadoras estão correndo o risco de pagar duas vezes o tributo pelo mesmo serviço”, comenta o presidente, confiante na decisão da Justiça. Segundo ele, a federação pensa em fazer um acordo coletivo com as operadoras.
Para o assessor de Planejamento e Projetos Tributários da Secretaria Municipal da Fazenda de Porto Alegre (SMF) Flávio Cardozo de Abreu existe sim uma guerra fiscal entre os municípios gaúchos. Segundo ele, na ânsia de aumentar a receita em curto prazo, alguns municípios reduzem a base de cálculo ou utilizam outros subterfúgios para atrair empresas. “Por força do entendimento do Superior Tribunal de Justiça há uma tendência de reduzir essa guerra fiscal, pois o local do pagamento independe do endereço da sede da empresa”, garante. Além disso, conforme explicação do assessor da prefeitura, a Constituição Federal proíbe a concessão de isenção, incentivos e benefícios fiscais como a redução de base de cálculo ou qualquer outro meio que torne a alíquota efetiva do ISSQN inferior a 2%.
Fonte: Jornal do Comércio / RS
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